O primeiro dia no psiquiatra
- Amanda
- Dec 31, 2016
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Texto 1
O homem sentado na poltrona na minha frente analisava com muito cuidado a minha ficha. Ele era gordinho e tinha traços árabes. Não parecia ser muito mais velho do que eu. Depois de alguns minutos sufocantes ele finalmente levantou a cabeça e falou comigo.
- Amora? Porque Amora? - Demorei um pouco para processar a pergunta.
- Porque era a árvore favorita dos meus pais. Eles plantaram uma na casa que eu nasci. Acho que era um tipo de símbolo que unia eles.
- Interessante - Ele anotou alguma coisa na ficha - Bom Amora, antes de você me explicar o que aconteceu, eu quero que você me diga quem você é. Quem é a Amora?
Não consegui evitar erguer uma sobrancelha. Aquilo tudo estava começando de uma forma muito estranha.
-Hmm...- Quem sou eu ? Como explicar trinta anos em uma sessão de uma hora?- Tudo bem. Hmm... eu nasci a dois estados de distância daqui, em uma cidade de 50 mil habitantes, em Minas Gerais. Meus pais tinham acabado de passar na faculdade quando minha mãe descobriu que estava grávida. Por isso eles decidiram se casar e ficar na cidade, estudar por ali mesmo. Mas um ano depois a minha irmã nasceu, e eles acabaram adiando a mudança.
-Como se chama a sua irmã?
-Rosa
-Qual dos dois gostava de natureza?
Eu ri, porque essa era a reação de todo mundo. - Os dois, mais ou menos. Minha mãe gostava de flores e meu pai do meio do mato. Gostam, na verdade. Os dois estão vivos. E a casa dos dois se parece muito com a floresta amazônica.
- Me conte sobre a sua primeira memória.
Essa eu tive que me esforçar para responder. Minha primeira memória era a do ano novo. Da virada do século. Que nós passamos em casa e foi quando eu acordei no meio da noite e vi meus pais pendurados na janela da sala, tomando alguma coisa amarela num copo diferente. Os fogos no céu me hipnotizaram, eu jurava estar presenciando uma luta entre extraterrestres e por muito tempo eu acreditei nisso. Na verdade, hoje em dia, eu ainda penso assim, quando estão todos concentrados olhando os fogos lá no alto e ninguém pode me interromper eu costumo imaginar esse tipo de coisa acontecendo bem em cima de nossas cabeças. E eu também faço montes de mandingas que não sei se dão certo, mas eu insisto em fazer toda vez. Aquela virada do ano em que acordei antes do que deveria mudou toda minha percepção sobre o dia 31 de dezembro e eu nunca mais consegui passar esse dia dormindo.
O engraçado é que quando vamos crescendo e envelhecendo tomamos cada vez mais consciência do tempo e esse simples ritual de virada do ano, que um dia fora apenas uma luta de ETs na sua cabeça, acaba se tornando uma porta real para novas escolhas. E você que ter essas chances, mas também não quer deixar o tempo que passou para trás.
-O que você pretende fazer nesta virada do ano Amora?
-Eu quero assistir a queima de fogos como se fosse a primeira vez de novo.
HISTÓRIA 1
As proximas partes dessa história você pode acompanhar clicando em "História 1" na caixinha aqui do lado. Os textos estão todos enumerados em ordem cronológica. Divirta-se.